Hellraiser: o inferno segundo Clive Barker


Desde os primórdios do cinema, lá pelo início do século passado, o inferno já foi retratado e explorado diversas vezes e das mais variadas formas, desde metaforicamente, até das formas mais explícitas possíveis, mas garanto ao leitor uma coisa: ninguém conseguiu expor de forma tão brutal esse universo sórdido e maléfico quanto Clive Barker.
O escritor/diretor/roteirista inglês sempre teve predileção por assuntos, digamos, pouco ortodoxos em suas obras, e a representação do inferno como um lugar onde o medo, o prazer e a dor caminham juntos, toma forma em Hellraiser – Renascido do Inferno (Hellraiser/1987). O filme é baseado no livro The Hellbound Heart do próprio Barker, e nele são explorados o sofrimento eterno como forma de obter prazer, chegando aos limites da insanidade e da integridade física, em um show de imagens fortes e perturbadoras, de torcer o estômago dos mais sensíveis (e até de quem não é tão sensível assim), representando uma trama bastante original, que fugia totalmente do esteriótipo dos slasherssanguinários e dos filmes de fantasmas tão comuns na época.
A desgraça toda tem início quando Frank Cotton (Sean Chapman) adquire de um mercador uma caixa parecida com um cubo mágico, conhecida como “Configuração dos Lamentos” e acredite: o pobre Frank e sua família vão lamentar muito terem esbarrado na maldita caixa. Segundo consta, a tal caixa funciona como uma espécie de portal para outra dimensão, onde os prazeres são eternos. Um lugar habitado por criaturas denominadas Cenobitas, demônios caçadores de almas, que um dia foram humanos e hoje encontram-se nessa condição eterna por terem sido seduzidos pelo tal artefato. Por conta de sua busca eterna pela maior fonte de prazer, e também movido pela curiosidade mórbida, Frank abre a caixa e é levado da pior maneira possível para o inferno.

Só sei dizer uma coisa: esse lugar não tem nada de prazeroso, pois é um tal de gancho rasgando carne como se fosse geléia, entranhas expostas com toda a naturalidade, e pedaços humanos sendo utilizados como quebra-cabeças, que me fizeram reconsiderar o conceito de horror e violência. A maneira como Frank consegue, aos poucos, voltar do inferno é simplesmente repulsiva. Até o cara conseguir sair da forma de “carpaccio do satanás” para a forma humana, o estômago do espectador já virou do avesso ao menos uma dezena de vezes. São seqüências asquerosas e degradantes, mas tratadas com tanto carinho e dedicação pelos responsáveis pela maquiagem e efeitos visuais, que se torna um lindo trabalho. Os detalhes da anatomia em cada fase da recomposição de Frank também são de impressionar, dando a entender que deve ter tido um estudo aprofundado acerca disso para não parecer caricato. Obviamente são efeitos simplórios para os padrões atuais, mas poucas vezes me senti tão incomodado e agoniado com o resultado final. Na época em que assisti a primeira vez ao longa, isso logo após o seu lançamento em vídeo, fiquei deveras impressionado, e a lasanha servida no almoço nunca me caiu tão mal como naquele fatídico dia. O filme investe pesado também no masoquismo, na dominação, na submissão e corrupção do ser humano, que por muitas vezes chegam a impressionar ainda mais que a violência gráfica, criando um ambiente perturbador, imundo e claustrofóbico. O filme rendeu uma franquia quase interminável, pois já chegou ao nono capítulo (até onde sei), e um remake está para ser lançado desde 2013. Somente os três primeiros filmes fazem jus à grandiosidade da obra de Barker, pois o restante é muito abaixo da média, inclusive sendo repudiados pelo próprio autor.
Se você, nobre leitor, ainda não foi subjugado pela “Configuração dos Lamentos”, tá esperando o quê? Assista agora ou lamente-se depois, mas vai com calma, pois o negócio é pra poucos.

Hellraiser: Renascido do Inferno (1987) – sinopse
Larry (Andrew Robinson) e Julia (Clare Higgins) mudam-se para uma velha casa. Lá, descobrem uma horrível criatura, que na verdade é Frank (Sean Chapman), meio-irmão de Larry e antigo amante de Julia. Frank perdeu seu corpo humano para os Cenobites, um trio de repulsivos demônios. Uma gota de sangue desperta Frank, que força sua antiga namorada a trazer vítimas para que ele possa novamente reconstituir seu corpo. Este clássico do horror moderno foi produzido e dirigido em 1987 por Clive Baker e ainda impressiona com a força de suas imagens. Prepare-se para o horror sem limites!     

Elenco e informações técnicas:
  • Andrew Robinson (Larry)
  • Claire Higgins (Julia)
  • Ashley Lawrence (Kirsty)
  • Sean Chapman (Frank)
  • Robert Hines (Steve)
  • Oliver Smith (Frank the Monster)
  • Doug Bradley (Pinhead)
Título no Brasil: Hellraiser – Renascido do Inferno
Título Original: Hellraiser

Lançamento: 1987
Gênero: Terror
País de Origem: Inglaterra
Duração: 94 minutos
Roteiro e direção: Clive Barker

Uma breve biografia do criador de Hellraiser – Clive Barker

Nascido em Liverpool (Inglaterra) em 05 de outubro de 1952, Barker é um homem de muitas facetas artísticas. É escritor, cineasta, diretor, ator, roteirista, dramaturgo e até artista plástico nas horas vagas. Todas as suas obras, ou ao menos a grande maioria delas, se envereda pelo lado do obscuro, do horror e do fantástico. Entrou para a universidade de Liverpool para estudar literatura e filosofia. Aos 21 anos de idade mudou-se para Londres, onde criou uma companhia de teatro para dar vida as peças que ele escrevia. Com tão pouca idade, Barker já fazia fama como escritor, diretor e ator.

A imaginação e a criatividade eram traços marcantes em suas obras teatrais, ganhando notoriedade mundial por criar um estilo muito próprio de fazer terror, o que o fez ser muito reconhecido mundialmente como um gênio do horror moderno. Nos anos 80, Clive se tornou o nome mais proeminente da literatura de terror contemporânea. Quando lançou no início da sua carreira, os primeiros três volumes da sua bem-sucedida coletânea de contos chamados Livros de Sangue, por uma pequena editora inglesa chamada Sphere Books em 1984, eles fizeram um modesto sucesso no Reino Unido. O verdadeiro estouro mundial da obra foi quando ela foi lançada nos Estados Unidos, com o endosso (na verdade um elogio rasgado) do grande responsável pela popularização do terror na literatura, o mundialmente famoso escritor Stephen King, com a frase mais do que conhecida: “Eu vi o futuro do Horror… E seu nome é Clive Barker”, que ajudaram com que Clive Barker fosse catapultado ao estrelato em todos os países do mundo. Ele tornou-se uma celebridade, e seus Livros de Sangue viraram best-sellers, tornando-se um fenômeno de vendas em todo o mundo.


As características principais de suas obras literárias são as cenas chocantes, feitas para causar repulsa e indignação no leitor. Barker não se preocupa em poupar quem lê aos seus livros, mostrando a realidade nua e crua, em um festival de sangue e demência explorados ao máximo. São obras repletas de pactos diabólicos, visões assombrosas, erotismo, sexo, sadomasoquismo e escatologia, não sendo indicadas aos leitores mais impressionáveis. Definitivamente, não é uma obra comum.
Como diretor de cinema, foi o criador de uma das mais originais e horripilantes série de filmes de terror e fantasia do final do século XX. Dono de uma imaginação particularmente tenebrosa, Barker criou mundos fantásticos e dimensões paralelas em pleno contato com nosso mundo real. A fantástica adaptação de sua obra The Hellbound Heart para o cinema rendeu o grande clássico do horror moderno Hellraiser – Renascido do Inferno. Totalmente dirigido e roteirizado por ele, no filme temos o nascimento de um novo monstro para figurar na galeria das grandes criaturas do cinema de horror, ao lado de Frankstein, Drácula, A múmia e o Lobisomem: Pinhead. Trata-se de uma criatura horrenda. Um homem todo retalhado, com inúmeros pregos fincados em sua cabeça, vestindo uma roupa de couro ornada com correntes, ganchos e outros objetos cortantes, como se fosse uma “batina” diabólica. A referida criatura é interpretada pelo ator britânico Doug Bradley, que se tornou mundialmente famoso por esse personagem. Pinhead é o líder de um grupo chamado Cenobitas, demônios igualmente horríveis e cruéis, que um dia foram pessoas normais e sucumbiram ao inferno, tornando-se as nefastas criaturas. São os carrascos dessa realidade alternativa, sendo os responsáveis por aplicar dor, sofrimento e “prazer” nas vítimas. O filme rendeu, além da enorme franquia, uma série de outros artigos, como quadrinhos, bonecos, acessórios, camisetas, e uma infinidade de outros objetos, que certamente renderam muito em royalties para Barker.
A concepção artística de Barker também foi utilizada para dar vida a cenários, roteiros e criaturas medonhas de um game muito famoso em todo o mundo, lançado para várias plataformas, chamado Clive Barker’s Jericho, obtendo grande sucesso e tornando-o um conceituado artista multimídia.


Como todo bom artista que se preze, Barker possui alguns hábitos bastante excêntricos. Possui um zoológico particular em sua casa em Los Angeles (Califórnia), onde possui confinados várias espécies de animais, incluindo, dizem, até ratos encontrados em seu próprio porão, ratos esses que são constantemente acariciados e até beijados pelo seu dono. Vê se pode um negócio desse? Barker afirma que “a maioria dos filmes de terror de hoje em dia não são verdadeiramente de horror. Eles não me atingem, não me impressionam, ou seja, não são horripilantes. Por isso eu tomo muito cuidado ao usar a palavra terror para descrever algo”. Pois é, vindo de quem vem, quem somos nós pra discordar.



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