Uma súbita ligação interrompeu os céleres passos do homem. Ele caminhava em busca de algum bom e barato lugar para passar sua hora de almoço, e o irromper dos beeps de seu telefone realmente o frustaram.
Afastou o terno um pouco para o lado e colocou a mão direita dentro do bolso, retirandoa com o aparelho entre os dedos.
Antes que pudesse atender, um toque gélido acometeu seu pescoço. Foi como um coice de uma pata muito fina onde no fim havia um casco que parecia ter sido fincado num cubo de gelo durante alguns segundos seguidos. Isso o assustou e o fez virarse para trás, à procura da fonte do que lhe atingira.
Detrás de si, uma senhora idosa realizava movimentos contínuos e confusos com os braços. Em cruas palavras, era semelhante a alguém perdido em meio a escuridão... e, na verdade, era. Havia uma cegueira bem denunciada em seu corpo: óculos escuros no rosto e uma bengala na mão direita o provável objeto que o cutucara momentos atrás. E, afobada do jeito que estava, não se tinha dúvida de que queria pedir alguma ajuda.
Por favor ela falou, uma voz suplicante emanou de sua boca eu preciso de ajuda para atravessar a rua.
Poderia ir comigo ou pelo menos me dizer se o sinal está aberto?
Ela, de fato, queria a assistência. Mas ele poderia fazêla?
Fora a pressa, o nome na tela do aparelho mostrava se tratar de uma importante ligação. Ele não poderia não atender, mas acompanhar uma senhora com necessidades especiais não seria nada demais. Alguma coisa ele tinha que fazer.
Ele enxergava dois botões no celular, duas escolhas: vermelho para atender, verde para desligar, e ir cederse para a senhora.
Seus olhos, então, voltaramse fugazmente para o lado da rua. Não havia carros passando. A cor do sinal dos pedestres era verde. Sim, ele poderia fazer algo:
Me desculpe, senhora. Estou realmente ocupado. Mas veja, o sinal está aberto para os pedestres. Pode ir, eu garanto.
A velha não pareceu tão satisfeita com a resposta que ganhara, no entanto agradeceu aos dizeres e se encaminhou, levemente guiada pelo homem, para a beirada da calçada, de onde seguiria pela faixa de pedestres até o outro lado da rua. O homem a soltou e atendeu a ligação...
Um barulho alto de freada e um subsequente de impacto o fez relutar. Um porrete o acertou na cabeça. E nesse porrete estava escrito: você se esqueceu DE NOVO. E era a mais pura verdade. De novo ele esqueceu o problema que o afetara desde criança. Mas é que você se acostuma uma hora e vai se esquecendo mesmo. É um problema para os outros, em contrapartida, comum para quem o tem. O triste inevitável...
Um péssimo dia para ser daltônico, pensou ele, enquanto o celular escorregava lentamente por suas mãos e se depositava, bruto, em cima de seus sapatos.
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